O Napa Valley e os vinhos do Julgamento de Paris
É muito difícil pensar em vinhos californianos e não lembrar do Napa Valley. É a região produtora que goza de mais prestígio e maior reputação nos EUA, além de ter sido fundamental para inserir os vinhos californianos no cenário mundial e abrir as portas para todos os vinhos produzidos no novo mundo.
São cultivadas diversas castas no Vale, mas a cabernet sauvignon é sem dúvida a grande estrela do Napa, gerando vinhos excelentes, macios, complexos e de qualidade incontestável. Alguns rótulos atingem cifras elevadas e o hectare da região é o mais caro entre todos os vinhedos norte-americanos. Entretanto, o Napa não seria o que é hoje se há mais de 40 anos não tivesse ocorrido a degustação que ficou conhecida como o Julgamento de Paris.
Vale a pena relembrar o evento que marcou definitivamente a história do Napa e dos vinhos do novo mundo:
- Em 24 de maio de 1976 ocorreu a degustação de vinhos mais importante da história, o Julgamento de Paris.
- Foi organizado pelo britânico Steven Spurrier, 35 anos na época, proprietário de uma loja de vinhos em Paris.
- O evento consistiu na realização de uma degustação às cegas de vinhos franceses e californianos.
- Seriam 05 brancos e 05 tintos de cada país (França e EUA).
- Todos os tintos da casta cabernet sauvignon e os brancos todos chardonnay.
- Spurrier viajou para a Califórnia e pessoalmente selecionou os representantes americanos que mais gostou.
- A degustação ocorreria às cegas, começaria pelos brancos e depois se passaria para os tintos.
- A ordem de serviço dos vinhos seria sorteada.
- Para o corpo de jurados, composto somente por franceses, Spurrier só escolheu craques do ramo, entre eles: Aubert de Villaine, um dos proprietários da mítica Domaine de la Romanée-Conti; Michel Dovaz, professor-chefe da LÁcademie du Vin; sommelieres de restaurantes estrelados como Tour d’Argent e Taillevent e Odette Kahn, editora da revista La Revue du Vin de France, famosa publicação francesa do assunto na época, e a única mulher entre os jurados.
Spurrier, nunca imaginou que os vinhos californianos pudessem se sair melhor que os franceses. Seu objetivo era simplesmente atrair publicidade para sua loja e aumentar a venda dos seus vinhos franceses. Na verdade, a ideia foi de uma amiga americana, Patrícia Gallagher, que havia retornado da Califórnia entusiasmada com os vinhos que lá bebera. O pretexto para a degustação foi a comemoração dos 200 anos da guerra de independência dos EUA, na qual a França teve participação do lado dos revolucionários.
Spurrier selecionou na sua loja os franceses que iriam participar da disputa, na certeza de que iriam superar com facilidade e ofuscar os californianos. Ele caprichou e o que havia de melhor na França foi escalado. O Château Haut-Brion e o Château Mouton-Rothschild estavam entre os cabernets de Bordeaux escolhidos e o Puligny-Montrachet Les Pucelles da Domaine Leflaive’s estava entre os Chardonnays da Borgonha que jogariam pelo lado Francês.
Dentre os jornalistas convidados por Steven, apenas o correspondente americano da revista Time na França, George Taber, apareceu para cobrir o evento. A mídia francesa não se interessou pelo evento, supostamente tendo como óbvia a supremacia dos vinhos franceses. Mal comparando, seria como esperar grande interesse da mídia atual em cobrir um jogo amistoso ente o Barcelona e um time amador, formado pelos melhores peladeiros do Aterro do Flamengo, somente para mostrar que, mesmo não sendo do nível dos jogadores do Barça, há bons e esforçados peladeiros. Só que para a surpresa de todos, inclusive do Steven Spurrier, o Barcelona perdeu!
O vencedor dos brancos foi o Chateau Montelena 1973, que apesar do nome, é 100% californiano. Entre os tintos, também deu EUA, com o cabernet sauvignon Stag’s Leap Wine Cellar S.L.V. 1973 ficando em 1º lugar.
Os vinhos acima, já haviam cruzado meu caminho e tive a oportunidade de degustá-los mais uma vez, só que agora in loco. Provei também o excelente Ridge Monte Bello que ficou em 5º no Julgamento e o Heitz Martha’s Vineyards que ficou em 7º, vinhos que eu não tinha ainda degustado. Obviamente, as safras disponíveis são atuais.
O evento foi publicado na Time sob o título o Julgamento de Paris, obtendo uma repercussão inesperada. Em poucas semanas os vinhos americanos vencedores se esgotaram nas prateleiras dos Estados Unidos. Steven Spurrier durante muito tempo tornou-se persona non grata em Bordeaux. Especulou-se que os vinhos franceses não estariam prontos e que devido ao seu potencial de guarda ainda iriam evoluir muito, mas o fato é que a mesma degustação foi repetida 10 e 20 anos depois e os americanos continuaram levando a melhor.
O julgamento de Paris foi um marco na história do vinho, pois mostrou que era possível fazer grandes vinhos fora da França e despertou o interesse para os vinhos produzidos no novo mundo, abrindo o mercado para seus produtores. Vamos aos californianos.
1) STAG’S LEAP WINE CELLARS
Está localizada no Stag’s Leap District em Napa. Atenção para não confundir com outra vinícola que se chama Stag’s Leap Winery. A sala de degustação é ótima, bem como o espaço externo. Não é necessário reserva. O atendimento é excelente e ficou a cargo do experiente Ed, que gentilmente nos forneceu informações detalhadas de cada vinho degustado.
Na degustação só há vinhaço, custa US$ 45,00 e inclui o Chardonnay Arcadia Vineyard e 3 cabernets sauvignons tops: FAY, S.L.V. e Cask 23. Os cabernets são fantásticos, complexos, macios e elegantes. São super pontuados nas principais publicações do ramo. O S.L.V. foi o vinho vencedor do Julgamento de Paris e o Cask é o ícone da vinícola, feito com uvas provenientes dos vinhedos FAY e S.L.V.
O Ed gentilmente nos ofertou uma taça do Cabernet Sauvignon Artemis 2015, velho conhecido meu e o cab “de entrada” da vinícola.
2) CHATEAU MONTELENA
Visitei inicialmente o tasting room em São Francisco que fica no saguão do luxuoso hotel Westin Francis, convenientemente localizado na Union Square. A degustação custa U$ 30,00 dólares e inclui um interessante riesling, seu famoso chardonnay, um zinfandel e dois ótimos cabernets. O atendimento foi excelente e ficou a cargo do gentil Michael. Na vinícola o preço da degustação e os vinhos degustados são os mesmos, mas há a propriedade que é muito bonita.
Já conhecia o chardonnay e gostava muito. Pelo vinho que é e pela fama que possui, não é caro, já que pode ser encontrado sem muita dificuldade por US$ 3o,00-40,00 nas lojas dos EUA. É bastante equilibrado, possui frescor e no nariz é elegante, não possui notas carregadas de baunilha e manteiga. O Cabernet Napa Valley já conhecia também e gostava. Já o Estate Cabernet foi novidade para mim, é muito bom, bem mais encorpado e complexo, estagia 24 meses em barrica de carvalho francês, 12 a mais que o outro.
3) RIDGE VINEYARDS
Eu degustei o Monte Bello 2014 quando visitava a propriedade localizada em Sonoma, já que a Ridge também possui vinhedos no vale vizinho e lá é possível degustar vinhos produzidos em seus diversos vinhedos. Conheci vinhos excelentes, principalmente o chardonnay e os feitos com a syrah, que foi o vinho que comprei. O atendimento é muito bom, a responsável pela degustação foi Laurie Page que gentilmente me apresentou diversos rótulos. Vou focar aqui apenas no Monte Bello e deixar para falar dos outros vinhos quando abordar especificamente o Sonoma Valley.
O Monte Bello 2014 é um corte composto por 75% cabernet sauvignon, 18% merlot, 5% cabernet franc e 2% petit verdot. É um vinhaço, super pontuado, redondo, complexo e equilibrado. As uvas são provenientes da região Santa Cruz Mountains que fica perto de San Francisco. É um dos melhores cortes bordaleses produzidos na Califórnia que já bebi. Infelizmente é caro! Custa U$ 200,00 a garrafa. A vinícola estava oferecendo uma degustação vertical com as safras 2005, 2006 e 2014 do Monte Bello por US$ 55,00. Os recursos hepáticos e financeiros são limitados, por isso não encarei.
4) HEITZ WINE CELLARS
A sala de degustação é bem simples para os padrões do Napa, é gratuita e não é necessário agendamento. Inclui um chardonnay 2015 e um zinfandel 2013 bem interessantes, um varietal da casta grignolino que não curti, além do Cabernet Sauvignon Napa Valley, que gostei. O Cabernet Sauvignon Martha Vineyards, que participou do Julgamento de Paris, não está incluído no flight gratuito. Ele é muito bom, encorpado e redondo, mas como muitos cabs do Napa, é um vinho caro. Também provei um vinho fortificado ao estilo Porto e o Cabernet Sauvignon dos vinhedos Trailside, que foram gentilmente ofertados.
Quem tiver interesse em saber mais sobre o Julgamento de Paris, recomendo o livro de Geroge M. Taber, o jornalista americano da Time que esteve presente no evento; ou mais fácil e leve, o despretensioso filme “Bottle Shock – O Julgamento de Paris”, que trata dos acontecimentos de forma livre e romântica. Mais info sobre o filme clique AQUI para ler o post O Vinho na 7ª Arte.
Estive recentemente na Califórnia, visitei cinco grandes regiões produtoras, fui em mais de 40 vinícolas/tasting rooms! Muita coisa legal está por vir. Aguardem próximos posts!
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10 Comments
Entre na discussão.
Fez barba, cabelo e bigode Fernando. Excelente matéria! Parabéns!
Rsrsrs. Caro Gustavo, fico feliz que tenha gostado. Abs
Thanks, it is very informative
I’m glad you like it!
Excelente artigo.
Obrigado.
Parabéns pelo Post! Muita informação boa!
Muito obrigado, meu amigo. Grande abraço.
Excelente matéria Fernando. Parabéns!
Muito obrigado, caro amigo João. Fico feliz que tenha gostado. Abs.