IP Vale do São Francisco: a 1ª Indicação de Procedência do mundo para vinhos tropicais!!
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Acaba de ser publicada na Revista da Propriedade Industrial (RPI) nº 2.704, de 1º de novembro de 2022, o reconhecimento do Vale do São Francisco como Indicação de Procedência (IP) para vinhos finos e espumantes. A IP Vale do São Francisco é a primeira indicação geográfica de vinhos tropicais do mundo e como já é tradição neste Blog, sempre que uma nova indicação geográfica de vinhos brasileira é reconhecida, escrevo post contando alguns detalhes importantes e minha experiência com os vinhos da região.
Tá certo, que legal! Muito maneiro! Mas o que significa isso mesmo? O que é IG? IP? Há outras no Brasil? Quais? Onde?
Já comentamos aqui no blog nos posts da IP Campanha Gaúcha e da IP Vinhos de Altitude de Santa Catarina, mas relembramos resumidamente que no caso de vinhos, no Brasil temos:
- As Indicações Geográficas (IG) identificam vinhos originários de uma área geográfica delimitada quando determinada qualidade, reputação ou outra característica são essencialmente atribuídas a essa origem geográfica.
- No Brasil, existem 2 modalidades de Indicações Geográficas (IG): a Indicação de Procedência (IP) e a Denominação de Origem (DO);
- IP se aplica às regiões que se tornaram reconhecidas na produção de vinhos, ou seja, obtiveram reputação. É uma área delimitada que pode estabelecer regras quanto ao cultivo e a vinificação; e
- DO vai além da IP, pois se aplica também a uma área geográfica delimitada com regras estabelecidas, mas os vinhos devem comprovadamente apresentar qualidades ou características que se devem essencialmente ao meio geográfico, incluídos os fatores naturais e os fatores humanos, ou seja, o vinho com a marca do lugar, sua singularidade, sua peculiaridade. O vinho apresentará características que só existem ali e portanto só ficam impressas no vinho lá elaborado com as uvas também cultivadas na região;
- No Brasil o registro de Indicação Geográfica deve ser requerido junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), com base na Lei da Propriedade Industrial brasileira e outras normativas legais. O processo passa por longa e criteriosa análise até seu deferimento;
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NA EUROPA
Como recordar é viver, também já foi dito aqui no blog que no Velho Mundo o conceito de indicação geográfica é muito forte. Além de criar vínculo com o consumidor, norteando suas escolhas pessoais no momento da compra, a criação de uma IG (DOP/IGP) traz como benefícios a organização coletiva dos produtores, o estímulo à economia local e o fortalecimento do nome dos produtos da região, com impactos determinantes na competitividade e com reflexo significativo na atividade do enoturismo.
IP na UE:
Denominações de Origem na UE:
INDICAÇÃO DE PROCEDÊNCIA VALE DO SÃO FRANCISCO
A área geográfica delimitada da IP Vale do São Francisco é uma área contínua de e 25.138 km2 constituída pelos limites dos municípios de Lagoa Grande, Petrolina e Santa Maria da Boa Vista, no estado de Pernambuco; e, Casa Nova e Curaçá, no estado da Bahia. Situa-se entre os paralelos 8 e 9 de latitude sul.
A região é a única no mundo na qual a capacidade produtiva das videiras é de 2 safras por ano, podendo até chegar a 3, independentemente da estação. Não há inverno bem definido, o clima é sempre quente e seco, com muita insolação e raríssimas chuvas, que fazem a irrigação com as águas do Velho Chico ser prática obrigatória.
Segundo o Caderno de Especificações Técnicas da Indicação de Procedência de vinhos do vale do São Francisco, estão autorizadas as seguintes castas que devem ser 100% produzidas na área delimitada da IP:
É proibido o uso de todas as variedades de origem americana, bem como de todos os híbridos na elaboração dos vinhos da IP Vale do São Francisco, e o Conselho Regulador poderá autorizar a inclusão de outras variedades de uvas vitis viniferas não relacionadas acima. A inclusão somente será feita se comprovada a potencialidade agronômica e enológica de tais variedades para os tipos de vinhos autorizados, comprovação a ser feita através de estudos específicos a serem desenvolvidos por um período mínimo de três anos no âmbito da IP Vale do São Francisco com o acompanhamento do Conselho Regulador.
Outras normatizações importantes:
- A colheita pode ser manual ou mecanizada, sendo permitido empregar os sistemas de condução vitícolas tradicionais utilizados na região delimitada como latada e espaldeira, bem como novos sistemas que venham a ser introduzidos na região.
- A irrigação, devido às características do regime e volume de chuvas do clima tropical semiárido da IP Vale do São Francisco, obviamente é permitida.
- Os vinhos varietais deverão ser elaborados com no mínimo 85% da respectiva variedade indicada.
- É permitida a elaboração de vinhos brancos, tintos, rosados e espumantes, inclusive o espumante moscatel.
- O espumante natural poderá ser elaborado pelo método tradicional ou pelo método Charmat.
Assim, vinhos elaborados pelos 8 produtores abaixo que estão dentro da região demarcada pela IP, se seguirem as normas contidas no Caderno de Especificações Técnicas, poderão utilizar o selo da IP:
- Vinícola Terranova (antiga Fazenda Ouro Verde) – Miolo
- Vinícola Santa Maria/Global Wines – Vinhos Rio Sol
- Vinícola Terroir do São Francisco – Vinhos Garziera
- Vinícola do Vale do São Francisco (Fazenda Milano) – Vinhos Botticelli
- Vinícola Mandacarú (Cereus Jamacaru)
- Adega Bianchetti Tedesco – Vinhos Bianchetti
- Vinícola Vinun Sancti Benedictus (VSB)
- Vitivinícola Quintas de São Braz (São Braz)
VINHOS DO VALE DO SÃO FRANCISCO
Morei em Recife de 1999 a 2004, mas infelizmente não tive ainda oportunidade de visitar a região, distante cerca de 10 horas de carro da capital pernambucana. Na época em que vivia em Recife, já encontrava em alguns mercados e bares da cidade vinhos da região do Vale do São Francisco como os das vinícolas Garziera e Botticelli, que ficam em Santa Maria da Boa Vista (PE). Abaixo alguns vinhos que já cruzaram minha taça:
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Os produtores da região e que possuem maior distribuição dos seus vinhos pelo território brasileiro são a Miolo e a Rio Sol. Ambos possuem estrutura enoturística com possibilidade de visitação e degustação.
MIOLO – Fazenda Terranova (Casa Nova – BA)
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A Miolo elabora diversos espumantes utilizando as variedades chenin blanc, sauvignon blanc, verdejo, moscato e grenache.
Seu destaque são os tintos elaborados com a Syrah como o Single Vineyard e o Testardi que faz estágio por 12 meses em barricas novas de carvalho francês. O termo italiano “Testardi” significa teimoso, remetendo à obstinação e persistência desta casta cultivada em um local até pouco tempo improvável:
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Lembro que um dos primeiros tintos Terranova elaborados na região pela Miolo que bebi era um corte composto por syrah e cabernet sauvignon que incialmente era comercializado em uma bonita garrafa de 500ml e depois passou para 750ml como a abaixo:
A Vinícola Terranova faz parte do roteiro enoturístico Vapor do Vinho, um tour de barco pelo Rio São Francisco que parte de Juazeiro e explora as belezas da região com degustação a bordo de comidas típicas e de vinhos e espumantes Terranova.
RIO SOL (Lagoa Grande – PE)
O projeto que originou a Rio Sol foi iniciado em 2003 pela Vitivinícola Santa Maria, localizada em Lagoa Grande-PE e pelo produtor português Dão Sul, hoje Global Wines Portugal, que decidiu produzir vinhos de qualidade no nordeste brasileiro, atraído pelo potencial e características da região. Na região, a Rio Sol cultiva e pesquisa diversas castas: cabernet sauvignon, syrah, alicante bouschet, touriga nacional, aragonês/tinta roriz/tempranillo, chenin blanc, viognier…
No logo e rótulos há referência ao número 8 devido a vinícola localizar-se no paralelo 8 de latitude sul.
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O espumante Rio Sol Grand Prestige Brut Rosé elaborado pelo método charmat possui excelente relação preço/qualidade, sendo a linha Assinatura o topo de gama da vinícola:
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- Rio Sol Espumante Assinatura Extra Brut 2016. Corte singular composto por 50% arinto e o restante viognier e touriga nacional vinificada em branco, ou seja, sem contato com a casca. Elaborado pelo método Charmat, mas com 15 meses de autólise e depois mais 3 meses na cave após o engarrafamento. Este longo tempo em autólise (Charmat longo) confere complexidade e estrutura.
- Rio Sol Assinatura 2015. Corte composto por 40% touriga nacional, 20% cabernet sauvignon, 20% syrah e 20% malbec com estágio de 18 meses em carvalho francês sendo 50% das barricas novas e a outra metade de segundo uso. Permanece ainda 6 meses em garrafa antes de ser comercializado.
Outras ampolas da Rio Sol que que já passaram pela minha taça:
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Que venham mais indicações geográficas de vinhos no Brasil!
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E confira outros posts já publicados no blog, entre eles os relacionados com o tema:
2 Comments
Entre na discussão.
Parabéns pelo excelente artigo sobre a IP do ale do São Francisco. A excepcionalidade apresentada pelos vinhos produzidos na região em merecendo algumas críticas, algumas muito positivas, mas também uma crítica negativa que alega que os vinhos lá produzidos, devem ser consumidos de imediato, após a abertura da ampola, pois tendem a se oxidar rapidamente, além de que os vinhos de lá devem ser consumidos jovens, pois não aguentam muito tempo de vida útil. O que me diz a respeito?
Obrigado Eduardo, fico feliz que tenha gostado! Quanto à longevidade dos vinhos do Vale do São Francisco, creio que, literalmente, o tempo que irá nos dizer… rsrsrsrs. Na verdade, hoje eu diria que a maioria dos vinhos da região não são destinados a guarda, com uma proposta de consumo tão logo sejam lançados no mercado. Entretanto, já há vinhos com uma expectativa de evolução com o tempo, como o Testardi e o Rio Sol Assinatura, dentre os que conheço. Grande abraço.