Rudy Kuniawan: o maior 171 dos vinhos!

Infelizmente, há pessoas desonestas e de mau caráter em qualquer atividade. Assim, o mundo dos vinhos não poderia ficar imune. Vários casos de falsificação são descobertos, mas nenhum, até hoje, teve a magnitude do golpe promovido pelo indonésio Rudy Kuniawan nos Estados Unidos.
No final dos anos 90, a economia norte-americana vivia um momento de pujante crescimento e este cenário começou a refletir diretamente no mercado de luxo e nos leilões de vinhos. Algumas pessoas ganhavam bônus milionários no mercado financeiro e torravam este dinheiro freneticamente.
Nesse contexto, no mercado de leilões de vinhos da Califórnia surgiu a figura de Rudy Kuniawan, jovem com menos de 30 anos e aparência geek, que começou a arrematar avidamente caras garrafas francesas, principalmente vinhos da Borgonha. Rudy demonstrava profundo conhecimento dos vinhos dessa região, tanto que ficou conhecido pelo apelido de Dr. Conti, numa alusão ao mítico Romanée-Conti. Dono de um paladar apurado, Rudy acertava com acurácia os vinhos nas degustações às cegas e toda informação que ele dizia a respeito de um vinho ou produtor era verdadeira.

Extremamente generoso e gentil, rapidamente Rudy passou a frequentar confrarias e jantares de milionários e celebridades, onde levava vinhos de sua adega particular e ofertava para os amigos. Eventualmente, Rudy promovia jantares regados a vinhos caríssimos, nos quais abria sem dó nem piedade, Petrus e Romanées. Estimava-se que Rudy gastava mais de 1 milhão de dólares por mês comprando vinhos. Na era Rudy, o preço dos grandes borgonhas na Califórnia disparou, tornando-os inacessíveis, graças a sua estratégia de comprar avidamente borgonhas em leilões, para tirá-los do mercado e jogar seus preços para cima. Rudy também dizia que arrematava lotes e garrafas diretamente da Borgonha com pequenos produtores e suas famílias. Com o preço nas alturas, ele começou a vendê-los pelo novo e inflado valor!
Vendeu milhares de garrafas diretamente para particulares, entre eles produtores de Hollywood e CEOs de grandes companhias, mas, os leilões que promoveu em janeiro e outubro de 2006 foram seu “golpe de mestre”! Na época, Rudy tinha apenas 30 anos e já era uma celebridade na alta sociedade do vinho americana. Assim, em parceria com a casa de leilões nova iorquina Acker, Merral & Condit, que pertencia ao seu amigo de confraria John Kapon, realizou os leilões que ficaram conhecidos como The Cellar I (janeiro/2006) e The Cellar II (outubro/2006). Nestes leilões, foram vendidos cerca de US$ 35,3 milhões de dólares correspondentes a mais de 2.500 lotes de vinhos oriundos da sua preciosa adega (cellar), tornando-se o recorde mundial arrecadado em leilão de vinhos.

Entretanto, a ambição e cobiça de Rudy não cessaram e ele continuou a vender seus vinhos, até que durante um leilão em Nova Iorque, em abril de 2008, chega o produtor Laurent Ponsot, que se indentifica como proprietário do Domaine Ponsot na Borgonha, pertencente a sua família desde 1872. Ele interrompeu esse leilão afirmando e provando que alguns vinhos que estavam nos lotes eram falsos. Laurent Ponsot teve acesso dois dias antes a um luxuoso catálogo do leilão e na página dos vinhos do seu Domaine havia uma foto em destaque de um Clos de la Roche de 1929. Porém, este vinho só começou a ser emgarrafado pela sua família em 1934. Ponsot percebeu também que a cera usada na garrafa na altura da rolha não era a que eles utilizavam, além de verificar diversas incosistências no rótulo. Além disso, ele revelou que os caríssimos Clos Saint-Denis 1945, 1949, 1966 e 1971 também eram falsos, pois sua família só passou a produzir vinhos deste vinhedo a partir de 1982. Estes vinhos estavam avaliados com pontuação de 99 pts dada pelo especialista e proprietário da casa de leilões, John Kapon e estavam sendo negociados por valores acima de US$ 50.000,00. John Kapon retirou os 30 lotes que eram dos vinhos de Ponsot e seguiu com o leilão.

Laurent Ponsot, tal qual um Sherlock Holmes do vinho, não parou por aí. Quis saber de quem eram aqueles vinhos que estavam sendo leiloados e de quem foram comprados. Após insistir muito, conseguiu de Rudy um telefone de Jacarta e o nome de um suposto rico colecionador de vinhos na Indonésia, Pak Hendra, do qual Rudy teria adquirido os vinhos. O telefone só caia em FAX e após investigar com profundidade e acionar seus contatos asiáticos, Ponsot descobriu que ninguém havia ouvido falar da família de Rudy, que Pak significa Sr. e que Hendra é o nome mais comum na Indonésia, ou seja, é o Silva do país.
Também entrou no encalço de Rudy, o bilionário e colecionador de vinhos Bill Koch. Ele possuia uma adega com quase 50.000 garrafas e por diversas vezes foi vítima de falsificadores. Certa vez, pagou US$ 25.000,00 por uma garrafa magnum de Petrus e mais tarde descobriu que naquele ano o chateau não havia feito nenhuma magnum. Também pagou uma fortuna por garrafas falsas que supostamente pertenceram ao presidente americano Thomas Jefferson. Bill foi ficando cada vez mais estimulado a caçar falsificadores e a gota d’água foi quando descobriu que cerca de 400 garrafas que havia comprado da coleção de Rudy em leilões da Acker, Merral & Condit eram falsas. Ele havia pago mais de US$ 4 milhões e não obteve reembolso. Bill, tal qual um paladino do vinho, montou uma equipe formada por investigadores, ex-agentes da CIA e FBI, especialistas em falsificação de vinhos. Descobriram que Rudy Kurniawan era o nome de um jogador de badminton, famoso na Indonésia nos anos 70, que seu nome verdadeiro era Zhen Wang Huang, que estava ilegal nos EUA e que seus tios maternos estavam envolvidos numa fraude financeira milionária na Indonésia. Em 2009 finalmente Rudy foi processado por Bill e as autoridades foram acionadas.

Rudy foi preso em março de 2012. Na sua casa os agentes encontraram diversas evidências, entre elas, garrafas imersas na pia para soltar seus rótulos, carimbos, garrafas já sem rótulos esperando para serem rotuladas, equipamentos para colocar rolhas e cerca de 20.000 rótulos de vinhos de alta gama.

O mais surpreendente foi uma “estação” de mistura de vinhos juntamente com o caderno de anotações de Rudy, repleto de detalhes, no qual havia informações diversas a respeito de composições das suas experiências, que tal qual um cientista louco, fazia testes misturando vinhos californianos baratos para buscar alguma similaridade com o produto que falsificava!

No caderno havia também fotocópias de rótulos famosos com anotações do tipo “mudar o ano”, “remover número de série”, “reduzir tamanho da fonte” e etc. Encontraram também emails para a Indonésia, negociando compra de papel e garrafas vazias de vinho. Ou seja, provas não faltaram.


Rudy foi condenado a 10 anos de prisão, além de pagar US$ 24,8 milhões de indenização para sete de suas vítimas, entre elas Bill Koch. A justiça apreendeu seus carros de luxo, sua mansão e centenas de vinhos verdadeiros de sua coleção, totalizando US$ 20 milhões do patrimônio de Rudy. Centenas de vinhos falsos encontrados na adega de Rudy foram destruídos pelas autoridades. Atualmente, ele cumpre pena na Califórnia e não concede nenhuma entrevista. Estima-se que ainda haja mais de 10.000 garrafas falsas de Rudy espalhadas pelas adegas de colecionadores particulares.

E só por curiosidade, saiba que os vinhos franceses não são os únicos alvos dos falsários. Autoridades portuguesas apreenderam em julho do ano passado 1.700 garrafas falsificadas do vinho tinto alentejano Pêra-Manca, avaliadas em 250.000 euros. E no Douro, o nosso conceituado especialista Marcelo Copello já identificou e auxiliou na apreensão de garrafas falsas de Porto Vintage Noval Nacional que estavam expostas à venda.
Para quem quiser se aprofundar mais na história de Rudy, recomendo o filme Uvas Amargas (Sour Grapes) de 2016, documentário norte-americano detalhado sobre o caso e a matéria publicada na revista Adega.
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4 Comments
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Grande Fernando, vi o documentário sobre esse tema que vc mesmo sugeriu num post sobre filmes e docs sobre vinhos. Ótimo texto. Parabéns e um forte abraço
Caro José, muito obrigado! Que legal, fico feliz que tenha gostado. Grande abraço.
Ótimo. Vi o documentário. Seu texto é mais completo… adorei!
Que legal! Muito obrigado, fico feliz que tenha gostado. Grande abraço.