Você já bebeu um Vinho Laranja?
Isso mesmo, nem branco, nem tinto, tampouco rosé! Estamos falando de laranja. Se a sua resposta foi negativa, saiba que a maioria dos enófilos provavelmente ainda não teve a oportunidade de beber um vinho laranja. O que é natural, pois eles são realmente pouco conhecidos e raros. A boa notícia é que, apesar de reduzidas, há boas e acessíveis ofertas no Brasil e o principal, os vinhos laranjas são encantadores.
O vinho laranja é um vinho branco que foi feito tal qual um tinto. Ou seja, no processo de produção a pele (casca) das cepas brancas mantêm contato com o suco da uva, tal qual ocorre com os tintos e diferentemente dos vinhos brancos, onde não há o contato pelicular durante a fermentação. O contato com a pele da uva branca é responsável por conferir ao produto uma sedutora cor alaranjada, que pode ir do leve dourado ao cobre. Além da cor laranja, o contato com a casca confere taninos, sabor, aromas e estrutura ao produto.
O vinho laranja é um ancestral do vinho branco moderno. Acredita-se que a técnica de produção tenha surgido há milhares de anos (mais de 5.000 anos) na região do Cáucaso, na Europa Oriental, entre o Mar Negro e o Mar Cáspio, onde atualmente estão a Georgia e a Armênia.
Na região do Cáucaso, o vinho branco fermentava em grandes recipientes de barro subterrâneos chamados Qvevri/Kvevri que ficavam enterrados no solo e eram fechados com rochas e/ou argila e selados com mel de abelha. A uva branca fermentava em contato com sua pele, resultando no vinho laranja. A vinificação em Qvevri/Kvevri foi declarada Patrimônio Cultural Intangível pela UNESCO em 2013.
Atualmente a produção mundial de vinhos laranjas concentra-se na Itália, na região de Friuli principalmente, e na Eslovênia. O produtor italiano Josko Gravner foi o responsável, no final dos anos 90, pela retomada desse método antigo de produzir vinhos, ao constatar que a grossa casca da cepa branca local, ribolla gialla, não merecia ser descartada, podendo conferir características singulares ao vinho. Os vinhos produzidos por Gravner são fantásticos, estão disponíveis no Brasil, mas infelizmente por aqui são bem caros. Entretanto, em viagens é bom ficar ligado, pois algumas vezes já vi winebars ofertando estas preciosidades em taças por valores bem acessíveis.
Muito mais em conta e também muito bons, da região de Friuli, podemos encontrar dois rótulos do produtor Skerk: um varietal feito com a uva vitovska e um corte espetacular de vitovska, sauvignon blanc, malvasia e pinot grigio, chamado Ograde.
Fugindo dos europeus, há opções acessíveis também na América do Sul, como o Viejas Tinajas Muscat, vinho laranja chileno produzido pela De Martino. Quem tiver a oportunidade de visitar a Argentina, recomendo experimentar o Inéditos Brutal, vinho laranja feito com a maravilhosa Torrontés que infelizmente, salvo engano, não é vendido no Brasil.
No Brasil a produção de vinhos laranja é muito incipiente, mas felizmente, já experimentei exemplares brazucas que muito me agradaram, principalmente o surpreendente Era dos Ventos Peverella e o Âmbar do Atellier Tormentas, ambos estão entre os meus tops. O Trebiano on the Rocks Era dos Ventos é menos complexo e estruturado que seu “irmão” Peverella, entretanto possui um agradável frescor que contagia. Outra experiência interessante foi o curioso Suvaco de Anjo, produzido pelo “garagista” Eduardo Zenker.
Dentre os recentes laranjas brazucas que bebi, destaco o microlotes da Viapina elaborado com a uva gros manseng e o original Oro Vecchio que é produzido em Santa Catarina pela Leone di Venezia com as castas grechetto, vermentino e gewurztraminer.
Os produtores mais tradicionais, principalmente os italianos, preferem o termo vinho âmbar por temerem que ao chamar o produto de vinho laranja, a associação, principalmente nos EUA, não seja feita com a cor e sim com a fruta, levando a conclusão equivocada de se tratar de um bebida feita de laranja e não de uvas brancas. O fato é que o mercado americano se refere a estes vinhos como orange mesmo, e não âmbar. Segundo Simon Woolf, da revista Decanter e autor do livro “Amber Revolution”, o termo “orange wine” para designar este estilo de vinho foi cunhado em 2004 pelo importador britânico David Harvey, também especialista no tema.
Muitos dos vinhos laranjas são produzidos segundo os preceitos dos vinhos orgânicos, ou seja, dispensam produtos químicos nos vinhedos e só utilizam leveduras naturais na produção. Alguns não são filtrados e chegam a ser um pouco turvos, portanto não se espantem, pois não é um defeito do vinho e sim uma característica.
Abaixo um Laranja Siciliano, COS Pithos Bianco, bem interessante que cruzou meu caminho. Clique Aqui e saiba mais sobre ele.
Em Portugal, os laranjas são conhecidos há séculos e lá, o vinho obtido através da fermentação de uva branca em contato com sua pele se chama vinho de curtimenta. A Adega Cartuxa produz no Alentejo vinho neste estilo e abaixo segue o excelente Fugitivo Branco em Curtimenta elaborado pela Quinta da Passarella na região do Dão.
E na Itália, os vinhos elaborados neste estilo, ou seja, com contato pelicular durante a fermentação, a partir da casta pinot griggio eram muitas vezes chamados de “ramato” que significa ruivo/cobreado.
Em termos de harmonização, os vinhos laranjas são bastante versáteis, já que possuem um pouco da acidez dos brancos e delicados taninos, tal qual um tinto leve. Em geral são aromáticos e estruturados. Podem ir bem com queijos, pescados, frutos do mar, bacalhau, comidas picantes como a tailandesa ou indiana a base de curry; e até algumas carnes, entre elas a de porco. Muitos não consideram os vinhos laranjas indicados para iniciantes devido a sua complexidade, mas eu acredito que são capazes de conquistar qualquer apreciador. Experimentem e tirem suas próprias conclusões!
Este post é uma adaptação e atualização do que foi publicado em 29 de abril de 2016 da coluna Boas Taças que escrevia para o jornal carioca O Sol.
Bons vinhos laranjas aparecem nos posts abaixo:
- Vinhos orgânicos, biodinâmicos e naturais da França, Itália, Austrália e África do Sul!
- Veja como foi a ViniBraExpo 2018, a grande feira do vinho brasileiro!
- A Vallontano e sua Risoteria no Vale dos Vinhedos
E para os que quiserem mergulhar fundo no tema, há o livro escrito por Simon J Woolf em 2018: Amber Revolution: How the World Learned to Love Orange Wine.
4 Comments
Entre na discussão.
Grande matéria Fernando. Eu particularmente gosto muito dos vinhos laranja. Vinhos curiosos que despertam atenção.
Parabéns! Um grande abraço
Caro João, obrigado! E vc tem toda a razão quanto aos vinhos laranjas, além disso são bem versáteis em termos de harmonização!
Grande abraço.
Ótimas dicas!! Obrigado!!
Degustei esse vinho laranja ontem (31/01/18) no WineHouse, em Botafogo, RJ. Realmente, uma ótima opção para dias quentes de Verão.
Também recentemente (jan 2018), em visita à vinícola Leone di Venezia, em São Joaquim-SC, degustei o laranja deles, o excepcional Oro Vechio, que até o momento foi o que mais me impressionou, principalmente, pelo inusitado e marcante buquê.
Sds!
Olá Jorge! Legal que tenha gostado das dicas, fico feliz. Ainda não provei o Oro Vechio da Leone di Venezia, mas já está devidamente anotado. Espero conferir em breve.
Abs.