Uruguai além da Tannat!

Desde que postei o “Nem só de Malbec vive a Argentina” no qual comentei outras uvas interessantes do país que não a sua casta ícone, tive a certeza que o Uruguai merecia um similar, fato mais do que comprovado com o retorno recebido da degustação que conduzi na ABS-Rio recentemente: Uruguai além da Tannat! Nas últimas edições do “Tannat Tasting Tour” temos acompanhado a alta e consistente qualidade dos vinhos elaborados no nosso vizinho do sul com outras castas além da sua maravilhosa tannat. Há outras castas cultivadas no Uruguai que merecem muito a nossa atenção e ultimamente tenho me dedicado mais a elas! Estamos falando dos excelentes vinhos que nossos vizinhos estão produzindo com a albariño, cabernet franc, marselan, merlot e petit verdot!
Para termos uma noção da ordem de grandeza destas castas em termos de área cultivada, elaborei a tabela acima conforme dados publicados pelo INAVI no trabalho ESTADÍSTICAS DE VIÑEDOS 2020 DATOS NACIONALES
Vamos a elas!
MERLOT
Começando pela merlot, que além de ser a segunda tinta mais cultivada foi uma das primeiras a apresentar excelentes resultados e mostrar seu potencial no Uruguai. Não é para menos, pois é uma casta que encontra condições muito favoráveis para se desenvolver no Uruguai: solo argiloso e clima marítimo. Aliás, solo de argila e clima marítimo nos remete a que região consagrada produtora de vinhos? Bordeaux, precisamente na margem direita do estuário do rio Gironde, onde a merlot protagoniza e seus vinhos gozam da mais alta reputação como os de Pomerol e Saint Emillion. Os solos de argila são mais frios e diferentemente da cabernet sauvignon que necessita de mais calor para madurar, a merlot consegue se desenvolver muito neste tipo de solo.
No Uruguai há vinhos elaborados com a merlot da mais alta qualidade que também é utilizada em cortes com a tannat, objetivando dar uma maciez ao vinhos devido a sua aveludada característica.
Abaixo alguns merlots uruguaios que já passaram pela minha taça com destaque para o Gran Ombú Merlot da BraccoBosca, sempre muito bem pontuado, e para o Merlot Single Vineyard da Garzón.
Merecem atenção os vinhos elaborados pela Bouza, entre eles seus merlots. É uma vinícola uruguaia “especialista” na casta, tanto que elabora 3 diferentes estilos de merlot: o Parcela Única B9 de alta gama, o Merlot com uvas provenientes do vinhedo Pan de Azúcar que fica em Maldonado e o Merlot Reserva com uvas cultivadas nos vinhedos de Meilla (em Montevidéu, onde situa-se a Bouza) e Las Violetas que fica em Canelones.
Aproveitando para lembrar, merlot é uma casta amplamente difundia no mundo, sendo elaborados excelentes vinhos em diversos países. Ela é utilizada tanto em cortes como em varietais, como por exemplo na Califórnia, Washington, Chile, Itália (cortes nos supertoscanos e varietais no Alto Adige e no Friuli), Portugal (Península de Setúbal, Tejo, Lisboa)… E no Brasil, temos ótimos vinhos elaborados com a merlot, que é a única casta autorizada nos varietais da DO Vale dos Vinhedos, devendo obrigatoriamente participar com pelo menos 60% da composição dos cortes.
CABERNET FRANC
Voltando para o Uruguai, tal qual a merlot, a cabernet franc também encontrou condições ideais para se expressar e gerar excelentes vinhos. Abaixo algumas ampolas que já degustei e gostei, cada qual dentro da sua proposta:

Não há como falar em cabernet franc uruguaio sem mencionar o Gran Ombú da Bracco Bosca. Eleito diversas vezes o melhor CF do Uruguai pelo guia Descorchados, inclusive nas últimas duas edições (2020 e 2021). São produzidas menos de 900 garrafas por ano, portanto é de fato um vinho boutique da mais alta qualidade. Acompanho há algum tempo, já tendo degustado as safras 2016, 2017 e 2018; e nunca me decepcionei!
No mundo, tal qual a merlot, a cabernet franc também exerce um papel importante no clássico corte bordalês que é utilizado em diversos países. Em Bordeaux a casta possui grande relevância na margem direita e ainda na França também é interessante lembrar dos vinhos de médio corpo elaborados no Vale do Loire, com destaque para a AOC Chinon. Na Argentina, há algum tempo caiu no gosto dos hermanos ganhando cada vez mais espaço, enfim a cabernet franc é uma das minhas queridinhas e já foi objeto de posts aqui no blog diversas vezes. Para saber mais sobre suas expressões pelo mundo (Argentina, Chile, Brasil, EUA, Hungria…) recomendo o post “A outra Cabernet!”e “Nem só de Malbec vive a Argentina“
MARSELAN
A marselan foi desenvolvida em 1961 na França, no INRA (Institut National de la Recherche Agronomique), pelo ampelógrafo Paul Truel através do cruzamento entre as castas grenache e cabernet sauvignon. Cruzamento é quando se obtém uma nova variedade a partir de duas plantas mães da mesma espécie (vitis vinífera). Ao invés de esperar durante séculos os cruzamentos aleatórios da natureza, o homem busca obter uma planta mais resistente e mais produtiva. Assim, a marselan com seus pequenos frutos é mais resistente a doenças fúngicas e ao Coulure,
No Uruguai a marselan aparece participando de cortes de grandes vinhos, como no caso do ícone Balasto da Garzón sendo também utilizada na elaboração de interessantes varietais:

Além do Uruguai, a marselan está presente em mais de 25 países tanto em cortes como na forma varietal: França, Brasil, Chile, Espanha, Estados Unidos, Bulgária, Croácia, Israel, Líbano, Romania… Existe até o Marselan Day que é 27 de abril!
PETIT VERDOT
De volta ao Uruguai temos a petit verdot como outra casta que gera vinhos muito interessantes no país. Ela também é uma das castas autorizadas de Boredeaux, mas representa menos de 1% do total de hectares cultivados na região francesa onde é utilizada apenas em alguns cortes, também com mínima participação. É uma uva de amadurecimento tardio e se adapta melhor em climas mais quentes que o francês, aparecendo na forma varietal na Espanha, Austrália, Califórnia, Chile, Portugal, Brasil… E claro, no Uruguai!
Os varietais elaborados com a petit verdot são vinhos mais gastronômicos já que ela entrega corpo, tanino e cor ao vinho. Abaixo segue divertida imagem da Wine Folly utilizada para explicar aos americanos como seria a petit verdot numa escala comparativa com a pinot noir, que é bem conhecida por eles:

Algumas memoráveis experiências que tive com a petit verdot no Uruguai:
E com relação a PV pelo mundo, já bebi varietais da casta produzidos no Brasil, Califórnia, Alentejo, Espanha, Chile e Argentina.
ALBARIÑO
Finalmente deixei para o final a branca albariño. Suas expressões pelo mundo, inclusive no Uruguai já foram comentadas aqui no post: “Alvarinho, a jóia do Minho” . Ela arrebenta no Minho e na Galícia, mas no Uruguai também faz bonito. Assim, abaixo seguem ótimos exemplares da casta elaborados no Uruguai:
A Garzón tem em sua linha 3 diferentes estilos de albariños. O Reserva que fermenta em inox e não passa por madeira, o Single Vineyard que fermenta e faz estágio em concreto, e o Petit Clos Block 27 que fermenta em concreto e faz breve passagem por madeira. Os dois primeiros são velhos conhecidos e aprecio muito mas o 3º, o Petit Block 27, ainda não experimentei, pois trata-se de lançamento elaborado com uma parcela especial do vinhedo (o block 27) que antes era direcionada para elaboração do Single Vineyard.
O alvariño da Bouza é um dos pioneiros e mantém a qualidade a cada safra. A origem galega da família trouxe a paixão pela casta que inclusive compõe o inusitado corte denominado COCÓ, que é elaborado com 50% albariño e 50% chardonnay. COCÓ foi criado em homenagem a matriarca da família que tinha este carinhoso apelido e costumava misturar na sua própria taça, em proporções iguais, chardonnay com alvarinho, supostamente em dúvida de qual branco escolher!
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