Vinhos de sobremesa: como são elaborados estes néctares?
Quem nunca se encantou por um vinho de sobremesa que atire a primeira rolha! Num momento reflexivo, apreciando um destes néctares, achei que seria interessante comentar de forma didática as diferentes maneiras de se elaborar os vinhos com maior teor de açúcar.
Vamos voltar rapidamente para as aulinhas de química?
O vinho é obtido através do processo de fermentação, no qual o açúcar da uva, com a ajuda das leveduras, se converte em álcool e gás carbônico (CO2). O gás é liberado para a atmosfera, restando o álcool.
Assim, para obtermos ao final, um vinho com maior teor de açúcar residual, de maneira bem simplificada, há 2 possibilidades:
- Durante o processo de fermentação, antes do término da reação, ou seja, antes da conversão total do açúcar da uva em álcool, adiciona-se mais álcool, na forma de aguardente vínica, numa concentração capaz de interromper a atividade das leveduras, ou seja, a reação cessa. Assim, sobra açúcar que não foi convertido resultando num vinho mais doce e com teor alcoólico mais elevado devido a adição do aguardente. Os vinhos elaborados desta forma são os vinhos fortificados, tais como Vinho do Porto, Vinho da Madeira, Jerez, Moscatel de Setúbal, Marsala, Banyuls, Muscat de Beaumes de Venise…
- Aumentar a concentração de açúcar na uva, para que ao final do processo de fermentação, com a inatividade das leveduras, reste mais açúcar, pois as leveduras não foram capazes de converter em álcool todo o açúcar presente na uva. O resultado é um vinho mais doce. Aqui estão os colheitas tardia, os icewines, os botritizados (Sauternes, Tokaji, Monbazillac…) e os elaborados com uvas passificadas (Vin de Palle do Jura, Vin Santo, Recioto dela Valpolicella….)
Assim, destacam-se 5 “estilos” de elaborar vinhos com maior concentração de açúcar:
- vinhos elaborados com uvas de colheita tardia
- vinhos elaborados com uvas botritizadas
- vinhos elaborados com uvas congeladas
- vinhos elaborados com uvas passificadas
- vinhos fortificados
Vamos a cada um deles, certamente você lembrará que vários já cruzaram o seu caminho….
VINHOS DE COLHEITA TARDIA
São os mais comuns de se encontrar disponíveis por aqui no Brasil. São feitos com uvas maduras, deixadas no pé além do tempo normal. A colheita é retardada , as uvas murcham parcialmente e perdem água, fazendo com que a concentração de açúcar aumente na uva, ou seja, elas ficam mais doces já que a água diminuiu. Os vinhos são produzidos de forma tradicional, mas, mesmo após completado o processo de fermentação, ainda resta açúcar residual.
São produzidos em vários locais do mundo e no rótulo aparece normalmente as seguintes expressões: cosecha tardia ou vendimia tardia (Chile, Argentina, Uruguai…), late harvest (diversos países, inclusive latinos), vendange tardive (França), spätlese (Alemanha e Áustria)…
VINHOS ELABORADOS COM UVAS BOTRITIZADAS
O fungo botrytis cinerea normalmente é uma praga para os vinhedos (conhecida como podridão cinza) que é favorecida por outonos quentes e nevoentos. Entretanto, condições especiais de determinadas regiões fazem com que este fungo ataque a uva de forma benéfica, sendo então conhecido como podridão nobre (noble rot). O botrytis cinerea ataca a uva fazendo minúsculos orifícios na casca, provocando a perda de cerca de 50% da água e, consequentemente, aumentando a concentração de açúcares na uva, que secam e ficam muito doces. A colheita é feita com várias passagens pelas parreiras para que sejam escolhidas as uvas atacadas pelo fungo, já que este não ataca todas as uvas uniformemente.
O Sauternes produzido em Bordeaux é o mais famoso vinho doce elaborado com uvas botritizadas. Na região, as 3 castas mais usadas são semillon, sauvignon blanc e muscadelle.
Vinhos botritizados são também produzidos na Alemanha utilizando a riesling e/ou a silvaner/sylvaner. São os Trockenbeerenauslese, pois os Beerenauslese e os Auslese podem ou não serem botritizados, mas se houver a palavra “tocken”, necessariamente são botritizados.
Na Hungria há um vinho que adoro, o maravilhoso Tokaji Aszú, que também é elaborado com uvas que foram atacadas pela podridão nobre. Saiba mais sobre este vinho, considerado o “rei dos vinhos e o vinho dos reis” clicando AQUI
VINHOS ELABORADOS COM UVAS CONGELADAS (ICEWINE/EISWEIN)
São produzidos em regiões muito frias, como Canadá, Alemanha e Áustria, onde as uvas amadurecem lentamente e são colhidas propositalmente congeladas, durante o inverno, com temperaturas bem inferiores a 0ºC.
As uvas são colhidas de noite quando a temperatura é ainda mais baixa e são prensadas ainda congeladas, obtendo um mosto concentrado, bastante doce, já que grande parte da água permanece na forma de gelo e é removida. Removendo a água congelada, concentram-se os açúcares da uva.
Na Alemanha e na Áustria estes vinhos são chamados de eiswein, no Canadá de icewine e na França são conhecidos como vin de glace.
As principais castas utilizadas são riesling (Canadá e Alemanha), silvaner/sylvaner (Alemanha), grüner veltliner (Áustria) e vidal (Canadá).
VINHOS ELABORADOS COM UVAS PASSIFICADAS
As uvas utilizadas para a elaboração destes vinhos, após serem colhidas, são deixadas em esteiras sob o sol ou em caixas empilhadas em galpões por um longo período até que fiquem secas como passas (processo chamado de passificação ou appassimento).
Após a passificação, estas uvas, que perderam bastante água, são prensadas, obtendo-se um mosto muito doce e concentrado, que é fermentado , tal qual um num vinho tradicional, mas o produto obtido é muito mais doce.
Na França a pacificação é utilizada para a produção de Vin de Paille na região do Jura. Na Itália o método é mais famoso, sendo utilizado em diversas regiões destacando-se:
- o Vêneto na elaboração do tinto doce Recioto dela Valpolicella e do tinto seco Amarone (saiba mais clicando AQUI);
- a Toscana na produção do branco Vin Santo; e
- a Sicília na DOC Passito di Pantelleria.
Interessante mencionar o Vin de Constance da África do Sul, produzido pela tradicional Klein Constantia, feito coma as uvas muscat blanc e/ou muscat de frontignan, que também passam por um processo de secagem até murcharem para concentrar açúcares. Dizem que era o vinho preferido de Napoleão Bonaparte e que em seu exílio na ilha de Santa Helena bebia diariamente o vinho doce de Constantia. Fato confirmado é que quando provei, graças a uma amiga que trouxe de viagem, adorei.
VINHOS FORTIFICADOS
Aqui se encontram os famosos e prestigiados vinhos do Porto, da Madeira e de Jerez que têm um rico universo à parte, com muita história, tradição, técnica e diferentes estilos que merecerão posts exclusivos no futuro. Aguardem!
O Moscatel Roxo de Setúbal também é um exemplo de vinho fortificado e já foi falado aqui no blog, saiba mais clicando AQUI.
E saindo da Península Ibérica temos outros vinhos fortificados europeus, como o Marsala da Sicilia e o Vin Doux Naturel (VDN) que é como são chamados na França os vinhos que recebem adição de aguardente vínica durante a fermentação. Destes os que mais aprecio e conheço são o Banyuls (excelente companhia para chocolates) e o Muscat de Beaumes de Venise.
Marsala, Banyuls e Muscat de Beaumes de Venise.
Por fim, saindo do velho continente, aqui nos nossos vizinhos, gosto do fortificado argentino Malamado da Zuccardi e dos licores de tannat uruguaios. Outra opção, fora do mainstream, é o israelense Yarden Muscat.
Licores de tannat uruguaios (clique AQUI)
Yarden Muscat (saiba mais sobre vinhos de Israel clicando AQUI)
E aí, qual o seu estilo preferido? Todos?
Veja quais você curte mais, separe uma boa ampola e seja feliz! Sobremesa melhor, não há!
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