Colheita de inverno? Sim, e com vinhos muito interessantes!
O que são vinhos de colheita de inverno? É um pergunta que cada vez mais frequentemente tenho recebido de amigos, leitores e seguidores. Essa técnica, também chamada de dupla poda, já foi comentada várias vezes aqui no blog, mas, a pedidos e para facilitar sua compreensão, resolvi fazer este post específico sobre o tema.
Inicialmente é importante entendermos como funciona o ciclo natural da videira. De maneira bem simplificada e aproximada temos as seguintes fases ao longo do ano:
- de setembro a novembro no hemisfério sul (HS) e de março a maio no hemisfério norte (HN): ocorre a brotação, o crescimento dos pâmpanos e folhas
- de novembro a dezembro (HS) e de maio a junho (HN): ocorre a floração e posteriormente a formação das uvas
- de janeiro a março (HS) e de julho a setembro (HN): ocorre o amadurecimento das uvas (maturação)
- de fevereiro a abril (HS) e de setembro a novembro (HN): ocorre a colheita (vindima)
- de maio a setembro (HS) e de dezembro a março (HN): ocorre a dormência, o repouso vegetativo da videira, período no qual as folhas caem
Assim, aqueles que curtem praticar o enoturismo e querem visitar regiões produtoras na época da colheita e participar das festas da vindima, devem se programar para viajar nos meses de janeiro/fevereiro a abril no caso dos países do hemisfério sul, e nos meses de agosto/setembro a outubro no caso dos países do hemisfério norte, basicamente Europa e EUA. Importante ficar atento e conferir antes, pois há variações conforme o ano e a região/país.
E os que não abrem mão de tirar fotos e selfies com os parreirais bem carregados e bonitos devem evitar viajar logo após a vindima, principalmente durante o período de dormência e repouso vegetativo da videira que ocorre em maio-setembro (HS) ou dezembro-março (HN), quando os parreirais estão sem folhas nem frutos.
O que é PODA?
Poda é a remoção das folhas, das varas e da madeira velha não desejadas. É a poda que dá forma a videira e limita seu tamanho. A poda determina a quantidade e a localização dos gomos que irã originar os pâmpanos na temporada de crescimento. A poda ocorre no inverno.
Então, o que seria DUPLA PODA OU COLHEITA DE INVERNO?
É a técnica desenvolvida pelo agrônomo e pesquisador mineiro Murilo de Albuquerque Regina do EPAMIG que consiste em fazer 2 podas na videira. A 1ª poda ocorre normalmente em agosto, época usual de realizar a poda; e a 2ª ocorre em janeiro. A 2ª poda “engana” a planta, invertendo seu ciclo natural e desta forma o florescimento ocorre somente em abril-maio e as uvas são colhidas apenas a partir do final de junho até o início de agosto, época de inverno. Portanto, não ocorre vindima em fevereiro-março (verão) que são meses chuvosos, evitando a chuva na época da colheita, que pode ser extremamente prejudicial, além de comprometer a qualidade das uvas.
A Dupla Poda ou Colheita de Inverno é bastante empregada no sudeste do Brasil. Iniciou-se no sul de Minas mas depois se difundiu pela região da Serra da Mantiqueira, cadeia montanhosa de cerca de 500km que se estende pelos estados de SP, MG e RJ, na qual os dias no inverno são ensolarados e secos, com noites frias e praticamente sem chuvas, tal qual ocorre nos meses de verão na época da colheita no hemisfério norte. Murilo Regina, que fez doutorado e pós doutorado na França, percebeu que no inverno, a região da Serra da Mantiqueira possui condições similares a do vale do Rhône no verão, época de colheita no hemisfério norte.
ALGUMAS AGRADÁVEIS EXPERIÊNCIAS QUE TIVE COM VINHOS DE COLHEITA DE INVERNO: Conheça mais de 60 ampolas de MG, SP, RJ, BA e GO!
ESTRADA REAL (Três Corações-MG)
Com a participação de Murilo Regina foi a pioneira a elaborar comercialmente vinho através da técnica da dupla poda ou colheita de inverno. O seu vinho de estréia foi o Primeira Estrada Syrah 2010 que chamou atenção pela sua qualidade.
LUIZ PORTO (Cordislândia-MG)
O projeto foi iniciado com consultoria de Murilo Regina. O produtor elabora vinhos da linha Dom de Minas e da Linha Luiz Porto, nome do criador do projeto que era apaixonado por cavalos e vinhos. Observem que seu logo representa uma ferradura. Tive oportunidade de conhecer aqui no Rio o Luiz Porto Jr. que continuou e expandiu o projeto iniciado pelo seu pai.
MARIA MARIA (Três Pontas-MG)
Este vinho não foi batizado de Maria Maria por acaso, como muito bem colocou a colunista Luciana Fróes certa vez na sua coluna no O Globo. Ele é elaborado no sul de Minas por compadre e conterrâneo do cantor e compositor Milton Nascimento. A Vinícola tem sede em Três Pontas, cidade em que Milton viveu sua infância e conta-se que quando o músico mineiro passou por lá, na época em que o parreiral da Fazenda Capetinga estava sendo implantado, Milton brincou com Eduardo Junqueira Nogueira Junior, proprietário: “Eduardinho do céu, você é doido. Nunca ouvi falar em plantar uvas aqui no Sul de Minas”. Certamente Milton Nascimento ainda não estava por dentro da técnica da dupla poda ou colheita de inverno…rsrs
CASA GERALDO (Andradas-MG)
Elabora vinhos no município de Andradas. Bons Syrah
VILLA MOSCONI (Andradas-MG) e CARVALHO BRANCO (Caldas-MG)
Destes produtores, conheci apenas seus espumantes:
GUASPARI (Espírito Santo do Pinhal-SP)
Já visitei a vinícola, mais detalhes no post “A Vinícola Guaspari e seus excelentes Syrah produzidos em SP“. Também foi comentada no recente post “Vinhos Brasileiros se destacam na revista inglesa Decanter“. Abaixo algumas ampolas do produtor que já cruzaram o meu caminho:
CASA VERRONE (Itobi-SP)
Gosto dos seus vinhos, mas ainda não tive oportunidade de visitá-la. Recebeu consultoria de Murilo Regina/EPAMIG. Produz vinhos utilizando o ciclo normal da videira (como o chardonnay abaixo) e também através da técnica da dupla poda ou colheita de inverno, como no caso do seu premiado syrah:
ENTRE VILAS (São Bento do Sapucaí-SP)
Interessante projeto que vale a pena ser visitado. Clique AQUI e saiba mais lendo o post “Entre Vilas; slow food-slow wine“
GÓES (São Roque-SP)
Produz vinhos utilizando o ciclo normal da videira e também através da técnica da dupla poda ou colheita de inverno. Fica pertinho da cidade de São Paulo em São Roque e vale um passeio! Clique AQUI e saiba mais lendo o post “Vinícola Góes: vinhos finos em São Roque“.
VILLA SANTA MARIA (São Bento do Sapucaí-SP)
Clique AQUI e saiba mais no post publicado recentemente: “Villa Santa Maria: vinhos da Serra da Mantiqueira“
FERREIRA (CAMPOS DE JORDÃO-SP)
Estive na vinícola em 2018 e degustei os vinhos abaixo:
INCONFIDÊNCIA (Paraíba do Sul-RJ)
A Família Aranha com o apoio técnico do EPAMIG iniciou o cultivo de uvas viníferas no estado do Rio de Janeiro. Como muito bem diz o ditado “em casa de ferreiro, espeto de pau”, ainda não tive oportunidade de visitá-la, mas há tempos está no meu radar! Bebi um dos seus primeiros vinhos, o cabernet franc 2015, que amigos trouxeram, na época ainda sem rótulo, e os demais vinhos abaixo:
FATTORIA VINHAS ALTAS (Teresópolis-RJ)
Gostei deste agradável Syrah que se apresenta em três belos rótulos que homenageiam a fauna da região. Em breve farei uma visita!
TASSINARI (São José do Vale do Rio Preto – R)
Do café ao Vinho! Já era fã dos cafés da Família Tassinari e tive a oportunidade de degustar literalmente “o primeiro” que trata-se do Sauvignon Blanc 2021.
No ano seguinte, estivemos com a Familia Tassinari conhecendo seu belo projeto vitivinícola no Rio de Janeiro. Todo o carinho e cuidado dedicados na produção de café de alta qualidade estão também voltados para o vinho! E lá provei o Sauvignon Blanc 2022 e o Syrah 2021. Muitas surpresas estão por vir com outras castas em teste e aquisição de barricas de carvalho… vamos esperar!
Confira no Instagram as fotos desta visita clicando AQUI
UVVA (Chapada Diamantina – BA)
Projeto primoroso e ousada, lançado durante o Rio Wine & Food Festival em 2022. Tive oportunidade de degustar os rótulos abaixo numa Master Class realizada durante o Festival e fiquei impressionado!
PIRENEUS (Cocalzinho-GO)
Localizada num dos novos terroirs brasileiros, o Planalto Goiano. Tive a oportunidade de conhecer o produtor Marcelo de Sousa e degustar 3 de seus vinhos que me surpreenderam bastante.
Este post está longe de ser exaustivo e/ou definitivo, pois há ainda muitos outros produtores que utilizam a técnica da colheita de inverno para serem explorados, sem contar os que ainda virão!
Para se aprofundar mais no tema recomendo os dois livros do Rogério Dardeau, um estudioso e profundo conhecedor do terroir brasileiro: o clássico Vinho Fino Brasileiro; e o recém lançado Gente, Lugares e Vinhos do Brasil (Clique nos títulos para mais informações). São livros referência e essenciais quando o assunto é Vinhos do Brasil!
#tbt
Na edição da Rio Wine & Food Festival de 2018 participei de uma memorável Master Class com a presença de diversos produtores chamada “Vinhos da Mantiqueira”. Na ocasião degustamos os vinhos abaixo:
2 Comments
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Quanto conhecimento! Obrigada. Adorei saber! Cheers 🍷🍷
Que legal! Fico feliz em saber que vc gostou, Iramaia. Grande abraço.