Nem só de malbec vive a Argentina!

Que a malbec é a uva poderosa da Argentina, todos os iniciantes, iniciados e curiosos no mundo do vinho estão carecas de saber. Mas o que nem todos se dão conta é que os vinhos produzidos pelos nossos hermanos vão muito além dos malbecs. Em agosto de 2015 já tinha comentado na coluna Boas Taças do jornal O Sol sobre outras castas cultivadas na Argentina que mereciam nossa atenção e em viagem recente à Argentina me dediquei bastante a elas! Estamos falando dos excelentes vinhos que nossos vizinhos estão produzindo com a bonarda, a cabernet franc e a pinot noir!
BONARDA
Apesar de ser a 2ª variedade tinta mais plantada na Argentina, atrás apenas da malbec (1ª), e na frente da cabernet sauvignon (3ª posição), a bonarda é pouco conhecida por nós brasileiros. Devido a sua abundância, vigor e baixo custo, inicialmente era apenas usada na produção de vinhos inferiores, e somente há poucos anos começou a ocupar espaço entre os vinhos de qualidade. A bonarda gera vinhos muito interessantes, ligeiro/médio corpo, frutados, com taninos médios e boa acidez. São ótimas companhias para massas. No mercado brasileiro encontramos alguns bons exemplares, tanto como varietais, quanto na forma de cortes com outras uvas, geralmente malbec e syrah. Cultivada principalmente nas regiões de Mendoza e San Juan.
Muita gente ainda insiste, mas a bonarda argentina não tem nenhuma relação com a bonarda italiana (Novarese e Piemontesa), mas é a mesma casta douce noire de Sabóia (Savoie), que também é a mesma casta charbono cultivada na Califórnia,


Algumas das minhas experiências com a bonarda, com especial destaque para o Emma da Zuccardi e o El Enemigo:
O Emma da Familia Zuccardi é excelente, foi eleito o melhor bonarda argentino pelo guia Descorchados 2017. Já tinha bebido o Emma 2012, mas achei os últimos ainda melhore. O produtor também possui em sua linha de entrada o Bonarda Série A que é bem interessante e econômico.
O Bonarda Sin Fin Guarda 2014 é produzido em pequena escala e foi uma agradável surpresa. Conheci na degustação na própria vinícola.
O Regeneración da Familia Kogan têm um pegada mais “natureba” de intervenção mínima e o Revolucionaria da Passionate Wines é bem original e frutado, sem passagem em madeira.
O El Enemigo 2014 da Bodega Aleanna é um ótimo representante desta casta. Velho conhecido, acompanho este vinho há diversas safras e ele nunca me deixou na mão. O Safra 2016 foi eleito o melhor da cepa no ano pelo guia Descorchados 2019. Um tom acima é o excelente Bonarda Single Vineyard também da El Enemigo, que só vi na Argentina:


CABERNET FRANC
Não é de hoje que ela é umas minhas queridinhas, com direito a um post exclusivo aqui no blog. Já foi capa da conceituada revista inglesa Decanter e tem conquistado cada vez mais fãs. Os vinhos produzidos com a cabernet franc possuem boa estrutura, são elegantes e macios. São menos encorpados e mais leves em taninos do que os obtidos a partir da sua famosa “irmã”, a cabernet sauvignon. Na verdade, o parentesco mais correto seria “filha”, já que estudos de DNA confirmaram que a cabernet sauvignon seria resultado do cruzamento da cabernet franc com a sauvignon blanc.
Plantada em menor escala, a cabernet franc despertou a atenção de vários produtores de Mendoza, sendo considerada por muitos a cepa do momento. Os varietais produzidos com esta uva impressionam pela sua qualidade e elegância, sendo uma opção diferente dos suculentos malbec

O EGGO Franc 2015 da Zorzal figura na lista dos 10 melhores CF da Argentina segundo o guia Descorchados 2017 e é uma opção econômica em relação aos demais vinhos a seguir.
O Angelica Zapata Cabernet Franc Vineyard Designated 2011 é um vinho que degustei na visita à Catena e trata-se de um vinhaço. A indicação vineyard designated significa que todos as uvas são provenientes de um único vinhedo, no caso desta ampola, eram do vinhedo Adrianna. Existe também o Angelica Cabernet Franc sem designação de vinhedo, que é bem interessante, mas trata-se de outro vinho, no qual as uvas não são provenientes de um vinhedo específico.
A Bodega Aleanna (El Enemigo) possui grande expertise em cabernet franc, cepa que representa 70% de suas plantações. O Gran Enemigo Gualtallary 2012 recebeu 98pts do crítico americano Robert Parker. Também um vinhaço.
E o Barrabás 2015 produzido pela Sottano, responsável pelo cultuado Judas, foi uma grande descoberta. Produção muito pequena e caprichada. Bebi e comprei em Buenos Aires, não o encontrei em Mendoza.
Em abril de 2019 estive novamente em Mendoza e conheci o Cabernet Franc top da Viña Cobos:
Abaixo 2 cabernets francs argentinos bem interessantes: O Krasia May que promete, pois ainda tem boa guarda e o Miras, produzido na Patagônia pelo Marcelo Miras:
E para fechar com chave de ouro, uma memorável degustação horizontal da safra 2014 com quatro rótulos da linha Gran Enemigo elaborados com uvas de vinhedos distintos: Agrelo, Chacayes e Gualtallary. Todos varietais de cabernet franc:
PINOT NOIR
Casta muito cultuada por diversos enófilos e que aprecio muito. Minha cruzada pessoal é encontrar pinots de ótima qualidade e bons preços fora da sua terra natal, a Borgonha, já que lá ela alcança preços estratosféricos. No post A Pinot Noir além do seu reino abordo o tema detalhadamente.
Na Argentina, foi na fria Patagônia, que a temperamental, delicada e difícil pinot noir obteve bons resultados, gerando um vinho de leve a médio corpo, frutado e com características próprias. Já bebi muitos pinots patagônicos de ótima qualidade, abaixo seguem 04 que considero excelentes exemplares e que cruzaram meu caminho na minha última expedição patagônica:
A Bodega Chacra é especializada em pinots, trabalha somente com esta casta, presente em seus 03 rótulos: Trinta y Dos, Cincuenta y Cinco e o Barda. Na minha última viagem à Argentina não tive a oportunidade de degustar o 32, que é o seu vinho top, mas em compensação, investi no fantástico 55, que é o seu vinho intermediário; e me acabei no Barda, seu vinho de entrada, que já é excelente. O produtor segue os preceitos da cultura orgânica e biodinâmica e para os curiosos:
- Os nomes dos vinhos, 32 e 55, referem-se ao ano em que foram plantadas as vinhas 1932 e 1955, não são referência a parcelas do vinhedo; e
- Chacra é como se chama na Argentina uma pequena propriedade rural, não tendo nenhuma relação com os centros energéticos do corpo.
O Manos Negras foi uma agradável surpresa e recebeu a mesma pontuação no Descorchados 2017 (91 pts) que o Cincuenta y Cinco da Chacra , figurando entre os dez melhores pinots argentinos. Fiquei fã.
O Pinot Noir Miras já é meu velho conhecido e é fruto de um projeto pessoal do Marcelo Miras, que tem em seu currículo a Bodega del Fin del Mundo. Esta também possui um agradável pinot, só que faz tempos que não nos encontramos.
E só para relembrar, um pinot patagônico bom e econômico, cujo produtor já foi na ABS-RJ e já comentei no blog é o Saurus da Bodega Familia Schroeder, sendo que seus demais pinots das suas linhas superiores também fazem bem bonito. Abaixo sua linha de pinots que degustei na edição RJ do Decanter Wine Day dedicada à Argentina:

Me surpreendi também com o excelente pinot noir abaixo de Salta no norte da Argentina, cultivado a 3.000 metros de altitude:
Como podemos ver, a Argentina é muito mais que malbec!
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3 Comments
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Bom dia Fernando ! Estou indo para Buenos Aires agora no Carnaval e aluguei uma casa , pretendo cozinhar e beber vinho na beira da piscina , preciso de dicas de bons vinhos brancos e espumantes argentinos , espero que você possa me ajudar . Agradeço desde já !
Oi Maura! Que legal. Vc não vai se decepcionar com os brancos argentinos. Confesso que quanto aos espumantes, eu prefiro os nossos! No campo dos brancos, eu investiria nos torrontês, principalmente dos produtores Colomé, Susana Balbo ou Laborum. O Chardonay argentino também é uma boa pedida, gostos dos encorpados como o Angelica Zapata e o Arbolitos da Cobos, mas há muitas opções mais em conta, como o Q da Zuccardi ou o excelente El Enemigo, que nã é caro e é maravilhoso. Recentemente provei um interessante corte branco, o Mosquita Muerta Blanca, que gostei muito e também possui bom preço.
E por fim, investiria também nos tintos mais leves como os feitos na Patagônia com a pinot noir: Barda, Saurus, Miras e Manos Negras.
Recomendo dar uma lida nos posts da Argentina. Espero ter ajudado. Grande abraço e boa viagem!
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